quarta-feira, 19 de março de 2014

 

GAY HETEROSSEXUAL 

Fabrício Carpinejar

- Você é um gay heterossexual, Fabrício.
- Eu?
- Sim, um gay que gosta de mulher e só de mulher, essa é a diferença.
- De onde está tirando isso? Eu adoro futebol.
- Meu cabeleireiro também adora.
- Gosto de lavar carro e sofro com todo arranhão.
- Meu estilista também.
- Ai meu Deus. Você não me ama mais.
- Viu como é dramático? Qualquer coisa é uma ópera. Gay!
- Não sou nada. Não uso piteira para tragar as palavras.
- Olha aí, humor refinado, seu humor é gay, quem entenderia essas piadas?
- Está provocando à toa.
- Não, acho extremamente viril um gay ser heterossexual.
- Me mostra que sou gay?
- Lembra quando fez strip na última semana?
- Lembro, e daí, não gostou?
- Vibrei, sabemos, mas você arrancou a camisa, a calça, jogava para o lustre, para a janela, mostrava um desinteresse passional. Um furacão.
- E...
- No instante de retirar as meias, criou um novelo com as duas, como se fosse guardar na gaveta.
- Não me diz que é gay?
- Foi uma parada gay.
- Para de polemizar. Não posso ser gentil, educado, afetuoso e já me rotula.
- Conversa de gay, não recordo de marmanjo defendendo sua ternura.
- Sou vaidoso do amor, e daí?
- Pinta as unhas, corta o cabelo uma vez por semana, seu guarda-roupa é duas vezes o meu, adora lojas, é refinado, disposto a debater duas horas se leva uma echarpe ou não.
- Não vejo a vida com maniqueísmo: homo e hétero.
- Quanto tempo suporta uma mancha no tapete?
- Cinco minutos.
- O tempo para buscar o desinfetante, né?
- Quer uma prova de que sou inteiramente masculino?
- Inteiramente? Estranho, um gay é que emprega muito o advérbio.
- Deixa falar?
- Me diz qual a prova irrefutável?
- Eu tenho poncho.
- Gay não usa poncho?
- Vou mandá-la para o Analista de Bagé para acabar com essa frescura.
- Tudo bem, é um homem, um homem gay.
- Poderia arrumar seu brinco? Está caindo...
- Falei? Repara em tudo, comenta qualquer pessoa que passa, o jeito que ela se veste, o jeito que fala, tomado de uma maldade alegre.
- Falando mal dos outros é que aprendi a me criticar.
- Nunca tem fim uma discussão de relacionamento, emenda um problema no outro, não termina um assunto
- Acho que você estava acostumada com o desprezo...
- Está me ofendendo.
- Eu puxo seus cabelos.
- E, se encontrar um nó, desembaraça.
- É um detalhe.
- Observa agora sua quebradinha de quadril para afirmar que não é gay.
- Não é suficiente.
- Combina cueca com camiseta. Homem não escolhe a cueca. Pega a primeira que aparecer pela frente.
- Não me convenceu. É capricho.
- Limpa a casa com entusiasmo, vocação maternal.
- É uma vingança porque canto ABBA na cozinha.
- Não me entenda mal, acho você um homem perfeito. Mais: o super-homem do Gil.
- Gilberto Gil, pretende me desmoralizar...
- É um elogio, porra!
- Parece um homem falando agora.
- Vá se danar.
- Descobri o que quer com essa conversa. Já transou com gay, acertei?
- Tudo bem, sua paranoia é masculina. 

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