quarta-feira, 19 de março de 2014





VIDA DE POETA
Arte de Maurice Denis

Fabrício Carpinejar



"Escondo a etiqueta do meu corpo. Coloco para dentro da pele. Não permito ninguém reparar meu valor.

Há uma ilusão feminina de que viver com um poeta é uma maravilha, que ele é um semideus da sensibilidade, superdotado de gentilezas e afagos.

Lamento decepcionar, o sonho acabou. Antes de sua morte, Lennon descobriu que não se leva poeta para casa - no máximo come-se em motel.

Não sei o que as mulheres imaginam, mas só o fato delas me imaginarem me tornam bem melhor do que realmente sou.

Talvez confundam o poeta com a própria musa. Se for, me enquadro numa musa raquítica.

Será que acreditam que ele estará recitando versos aos ouvidos num plantão 24 horas? Não, convenhamos, é insuportável. Já procuramos um intervalo comercial quando é prosa.

Será que confiam que é derramado e caprichoso em tempo integral? Será que supõem uma lenta massagem nos ombros para espantar enxaquecas? Que é um homem pronto para escutar os desabafos, que nunca soltará um desaforo de graça nem quebrará um cisne de porcelana de Tawain?

O poeta é sempre a exceção para quem não vive com ele. Encastelo-me com a série de perguntas dirigidas aos meus familiares.

- Como é ter um pai poeta? Deve ser lindo.
- Como é ter um namorado poeta? Deve ser lindo.

Lindo? Assim como virou hábito visitar a cozinha dos restaurantes, recomendo aos vereadores de nossa cidade instaurar a lei "Visite seu poeta".

Ficarei tão constrangido como nudez de macho em lago gelado. É certo que no domingo estarei assistindo a uma maratona futebolística, entremeada dos campeonatos espanhol, italiano e inglês, além dos estaduais. Emendarei um jogo a outro, sem pausa. Falarei disso no resto do dia, depois de acompanhar os programas de reprise de gols e comentários das rodadas. Lembra alguém?

Se ela desfilar de lingerie pequeníssima, sou capaz de entortar o pescoço para não perder o lance... Na tevê.

Não me diferencio de nenhum estereótipo masculino. Frequentarei o mercado a contragosto, praguejando as filas e o estacionamento. Reclamarei no momento de visitar a sogra. Vou esperar comidinhas de mão beijada. Não atenderei ao telefone. Talvez leve o lixo para baixo e lave a louça, o que não traduz culpa e reconciliação, é uma tática para renovar o crédito da vadiagem e pedir mais em seguida. Dormirei num espetáculo de balé ou num musical. O ronco cumprirá minha rara intervenção no teatro, uma espécie de aplauso. Não duvido que não perceba o corte de cabelo novo da namorada. E sua vontade de sair e caminhar ao redor da praça.

Tão parvo e tosco como qualquer marmanjo num final de semana.

Não troque seu marido por um poeta. Os direitos autorais não compensam."

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